#29 Teoria dos Jogos e Disputas de pênaltis
Quando a sua decisão depende da decisão do outro
No texto dessa semana, comento sobre a aplicação de Teoria dos Jogos em disputas de pênaltis de futebol. A inspiração para esse texto veio da leitura do capítulo 11 do livro Soccernomics.
O que é a Teoria dos Jogos (de forma breve)
Para quem não conhece, Teoria dos Jogos é um campo que tem como enfoque o estudo da tomada de decisões quando seus resultados estão interligados aos de terceiros. Em outras palavras, ela estuda como deveríamos tomar decisões quando elas também dependem das decisões de outras pessoas/agentes.
Um caso clássico da aplicação de teoria dos jogos é no contexto militar. Tomemos como contexto o conflito entre Índia e Paquistão e a possibilidade de uma guerra nuclear. É um exemplo do que chamamos de dilema do prisioneiro.
É possível supor que cada país tem um objetivo com uma variável a ser otimizada:
Objetivo: Evitar receber um ataque de um bomba nuclear
Otimização desejada: Gastar o mínimo de recursos possível
Cada um dos dois países tem uma escolha a fazer. Cada um deles pode:
Escolher construir uma bomba nuclear, gastando altos recursos para isso; ou
Escolher não construir uma bomba nuclear, poupando recursos
Vamos aos cenários:
Se um país resolve não construir uma bomba nuclear, ele poupa recursos, mas perde drasticamente o poder contra o outro. Se o outro resolver construir uma bomba, o primeiro corre sérios riscos de não cumprir o seu objetivo (não ser bombardeado).
Se um país resolve construir uma bomba nuclear, ele gasta recursos, mas ganha respeito em relação ao outro país e diminui muito as chances de ser bombardeado. Ou seja, aumenta as chances de cumprir seu objetivo.
Percebe-se que a melhor decisão para os dois países seria que fossem cooperativos. Nenhum deles gastaria recursos construindo uma bomba, tampouco seriam bombardeados. Mas como eles não confiam um no outro, os dois acabam construindo bombas (e gastando recursos), mesmo que não vão utilizá-las. Nesse caso, se armar é uma decisão estritamente melhor do que não se armar: é melhor independentemente da ação do rival.
A conclusão aqui é que a decisão que um país toma depende da decisão do outro. E muitas vezes a situação de equilíbrio (aquela que acontece), não é a melhor decisão para todos. Acaba ocorrendo um cenário sub-ótimo para todos.
Abaixo, um exemplo da guerra fria e o conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Aleatoriedade como estratégia
Uma disputa de pênaltis no futebol é um momento delicado. Normalmente é um ambiente de alta pressão, visto que são jogos decisivos. Valem títulos e classificações. E é um caso em que podemos aplicar teoria dos jogos.
Nessas disputas, tanto o batedor quanto o goleiro têm que tomar decisões críticas. O batedor escolhe para qual lado vai chutar, e o goleiro escolhe para qual lado vai pular. O resultado de cada decisão depende da decisão do outro.
Se o goleiro souber com antecedência para qual lado o batedor vai chutar, ele aumenta drasticamente a chance de fazer uma defesa. Já se o batedor souber para qual lado o goleiro vai pular, ele melhora sua chance de marcar o gol chutando para o lado oposto. Dessa forma, nenhum dos dois pode se comprometer com uma escolha fixa. Ambos precisam variar suas decisões para não se tornarem previsíveis.
Uma estratégia muito razoável de acordo com a teoria dos jogos é, portanto, tomar decisões de forma aleatória. Quando isso acontece, tanto o goleiro como o batedor ficam imprevisíveis. Na teoria dos jogos clássica, ter um componente de aleatoriedade nas decisões em jogos de soma-zero (caso de uma disputa de pênaltis) é uma boa estratégia.
Ao mesmo tempo, jogadores têm suas preferências. Alguns preferem chutar na direita, outros na esquerda. Alguns goleiros preferem cair para um lado, outros para o oposto. E quando realizam a ação no lado preferido, têm maior chance de êxito.
Contudo, como vimos antes, não adianta um batedor que gosta de chutar na direita sempre chutar na direita porque ele fica previsível. Mas se ele chutar 50% das vezes em cada lado, ele também está desperdiçando potencial, visto que ele chuta melhor de um lado do que do outro.
Assim, o que ele tem que fazer é chutar de forma aleatória, mas com uma tendência a chutar mais para o lado que prefere. Assim ele fica imprevísivel e aumenta suas chances de fazer o gol. Então chutar, por exemplo, 60% da vezes no lado preferido e 40% do lado que não prefere. Assim ele mantém a aleatoriedade, mas se favorece de chutar mais vezes no lado com maior chance de sucesso.
Estudo do Ignacio Palacios-Huerta
Um pesquisador chamado Ignacio Palacios-Huerta estudou milhares de cobranças de pênaltis na Europa. Ele observou que os melhores batedores e goleiros seguem estratégias muito próximas às previstas pela teoria dos jogos: eles variam suas decisões de maneira quase aleatória, mas mantendo uma preferência pelo lado dominante.
E inclusive, esses melhores batedores mantinham proporções de lado no chute muito próximas à teoria. Através de várias amostras, é possível calcular qual seria essa proporção ótima.
Por outro lado, batedores ruins, em geral tinham pouca confiança nos seus chutes. E acabavam chutando uma quantidade desproporcionalmente mais vezes no lado de maior preferência, o que os tornava previsíveis. Caso sejam estudados previamente pelos goleiros, esses batedores são mais facilmente vencidos.
O que se percebeu no estudo é que os bons batedores seguiam a teoria dos jogos, o que é uma validação prática de uma formulação teórica.
Link do artigo original: http://palacios-huerta.com/docs/professionals.pdf
Aleatoriedade no Xadrez
Eu não sou bom no xadrez, mas de vez em quando vejo uns vídeos do Magnus Carlsen, reconhecidamente o melhor jogador do mundo. E achei interessante ele citar que ele escolhe de forma aleatória a abertura que ele vai jogar, o que reforça também a Teoria dos Jogos em situações de soma-zero.
E faz sentido. Se ele sabe qual abertura é melhor contra tal oponente, o oponente também sabe que ele sabe. E ele sabe que o oponente sabe que ele sabe. Então talvez randomizar a escolha seja uma boa ação também: